Podia jurar que ficou em estado de
choque quando a viu. Pensou o dia inteiro que era uma coincidência a agência no
mesmo prédio onde trabalhava, mas não imaginava que ela trabalhava ali, muito
menos que ela era a gentil pessoa que o havia atendido pela Internet. Ela olhou profundamente para ele quando
entrou, deu boas vindas e apertou sua mão. Então, passou a falar dos detalhes
da viagem, das providências a tomar, das formas de pagamento. Falou entusiasmada sobre Paraty, suas belezas,
sua história, os pontos que ela não podia deixar de conhecer. Disse que ele
tinha que ir ao cais do porto, falava muito e rápido, parecia desconcentrada,
ele não conseguia entender a razão. Pensou que era bom que fosse assim, uma vez
que ele estava hipnotizado pela visão de sua musa, o momento que sonhara havia
chegado e a verdade é que ele não conseguia dizer sequer uma palavra. Ela era
linda, sua voz doce, clara, clara, rouca, seu perfume Versace o deixava
inebriado, seu jeito de gesticular, desviar o olhar de seus olhos, a mulher com
quem passara sonhando nos últimos meses era tudo aqui que havia pensado e ainda
mais. Como uma criança num parque da Disney pela primeira vez, como alguém que
vê o mar, ele estava encantado. Quando ela lhe fazia uma pergunta retórica, ele
assentia com a cabeça, não sabia bem o quê.
Quando o homem do olhar terno
entrou no escritório, dizendo que tinha hora marcada, não conseguia acreditar.
Sempre teve vontade de se aproximar daquele homem da joalheria, agora ele
estava diante dela. Olhou profundamente para ele e se encantou por seus olhos
grandes, castanhos. Encantou-se por
saber que ele gostava de Paraty, ficou encantada com seu jeito tímido de olhar,
de falar. Aquele encantamento a deixou desconcertada. Tentou disfarçar falando
da viagem, das questões burocráticas, indiciou passeios. Tinha tanto pra falar, havia fantasiado
tantas histórias com aquele homem que conhecia de vista, que namorava de vista,
não conseguia dizer.
Quando percebeu, ele estava
digitando a senha do cartão, já com as passagens, guias e endereços em mãos, a
viagem marcada para três dias depois. Ele conseguiu apertar sua mão,
agradecendo pela ajuda. De novo aquele olhar castanho cruzou o seu. Ele sorria
com o olhar. O acompanhou até a porta, ficou olhando ele chamar o elevador,
entrar, e sumir. Censurou a si mesma por não ter dito nada do que realmente
queria a ele, o homem que parecia perfeito para ela.
No elevador, conseguiu, enfim,
respirar aliviado. A presença daquela mulher o oprimia. Não conseguia se
perdoar por ter deixado aquela chance escapar: por que não a convidou pra tomar
um café, caminhar até a esquina, aquela exposição tão aclamada que agora estava
na cidade? Por que não disse a ela que sempre sonhou com aquele momento? Que
homem era ele, que deixava a mulher de sua vida escapar assim? Ainda sentia o
cheiro daquele perfume. Sabia que aquele momento não se repetiria outra vez.
Chegou em casa, anotou num bloco
todas as coisas que precisava resolver em três dias, até sua viagem. Adormeceu ainda se recriminando pelos
acontecimentos do dia, não sonhou com ela. Viajou para Paraty, olhou o mar
sentado no cais do porto, tomou cachaça no alambique, conheceu as cachoeiras,
as ilhas. Comeu tapioca com leite condensado, foi a restaurantes badalados e
conheceu belas mulheres. Voltou descansado das férias. Chegou na loja, soube
que havia sido transferido. Foi à agência pra agradecer e levar um souvenir, mas
ela não estava. Deixou com sua amiga. Tempos depois, conheceu uma mulher
inteligente e bonita. Casou-se com ela, mas nunca mais sentiu aquilo outra vez,
nunca mais ficou inebriado com nenhum perfume, por nenhuma voz.
Ela passou a atender clientes fora
do escritório, raramente ficava na agência. Pouco tempo depois, teve a
oportunidade de participar da abertura de uma filial na Espanha. Viajou o
mundo, experimentou novos pratos, foi ao cais do porto de muitos lugares,
lembrou-se de Paraty. Estabeleceu-se na Espanha, onde aprender a chamar de lar.
Leu livros em Espanhol, se apaixonou pelas musicas, aprendeu a dançar. Nunca se
casou, vez por outra se lembrava daquele homem do olhar terno, para quem
vendera uma viagem a Paraty. A lembrança dele era dolorida, e sempre que vinha,
procurava se distrair com alguma tarefa.
Nunca mais se viram. Nunca mais se
encantaram por ninguém. Nunca mais mergulharam no olhar de ninguém. Foram
felizes, encontraram muitas coisas, lugares, pessoas, sabores, mas
desencontraram uns dos outros. É como diz o poeta, lembrei ao ouvir essa
estória, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.